por André Ito (*)
Em um cenário em que tudo joga a favor, as pessoas tendem a ficar mais desatentas aos fundamentos das empresas e robustez das garantias. Sabe-se que os movimentos econômicos são cíclicos e esta é a realidade que torna a concessão de crédito algo tão complexo, ainda mais quando falamos de longo prazo.
Notícias sobre o crescimento da inadimplência em diversos segmentos econômicos ilustram esta realidade. Presenciamos um momento recorde de recuperações judiciais que afetaram muitos fundos de renda fixa e que provam o quão complicado é lidar com dívida privada corporativa, vide os casos Americanas, Light e outras grandes empresas.
Há tempos tenho alertado investidores sobre os riscos do crédito estruturado e, inclusive, costumo afirmar que este tipo de investimento deve preferencialmente ser feito através de fundos geridos por gestores experientes. O fato é que a probabilidade de o retorno esperado não ser atingido deve ser alvo de uma avaliação mais aprofundada, o que requer um certo grau de conhecimento do investidor. Na realidade, a questão vai até mais além, pois muitas das opções disponíveis hoje no mercado acabam não sendo adequadas ao público geral, justamente pelo perfil de ativos que contêm nas carteiras.
O mesmo serve para os Fiagros (Fundo de Investimento na Cadeia Agroindustrial). Voltada para o financiamento do agronegócio, esta indústria cresceu exponencialmente e deve continuar assim por um bom tempo. Na prática, o fundo empresta recursos para que os produtores ou empresas da cadeia possam expandir seus negócios, melhorar a infraestrutura ou simplesmente pagar dívidas. E o risco desse empréstimo é dividido entre os vários cotistas, que recebem o dinheiro de volta acrescido de juros.
Desta forma, a rentabilidade da operação depende da escolha do gestor sobre quais ativos vão ser colocados na carteira e isso envolve uma análise minuciosa não só da capacidade de pagamento atual do credor, mas de sua capacidade futura diante de um cenário adverso.
Atualmente, muitos produtores têm sofrido com a queda dos preços das commodities agrícolas, depois de baterem recordes ao longo da pandemia e da guerra na Ucrânia. Para se ter uma ideia, o Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) de junho alcançou a média de 122,3 pontos e, quando comparado com recorde de março de 2022, o recuo acumulado é de 23,4%.
Isso não significa um revés total no setor, mas que as margens não se encontram no mesmo patamar anterior. E, tal cenário, tende a afetar aquelas empresas menos preparadas operacionalmente, o que gera o risco adicional de inadimplência. Aí entra a expertise da gestão de cada fundo e do investidor fazer sua escolha. Para diluir os riscos, além da avaliação da empresa que receberá o empréstimo, os gestores devem se atentar a pulverização de risco entre devedores e culturas, além de se cercar de garantias que possam diminuir o prejuízo em caso de inadimplência. Portanto, a escolha do Fiagro pelo investidor deve ser antecedida por uma leitura criteriosa do regulamento do fundo e perfil de alocação do gestor.
Sempre que falamos de operação de crédito estruturado, estamos nos referindo a risco e retorno. Isso não é diferente dos Fiagros. A separação do joio do trigo é essencial na escolha do portfólio e, no caso dos fundos voltados para o agronegócio, é ainda preciso entender as peculiaridades do setor, já que a forma de conceder crédito e as garantias das operações são muito diferentes.
* André Ito é sócio e gestor da MAV Capital