Por Karina Testa*
O agronegócio brasileiro atravessa um momento de crescente complexidade no que tange às exigências socioambientais. Questões como desmatamento, emissão de gases de efeito estufa, uso de defensivos agrícolas, conservação do solo e gestão dos recursos hídricos tornaram-se temas centrais na agenda nacional e internacional, pressionando produtores e agroindústrias a adotarem práticas cada vez mais rígidas de conformidade ambiental.
Nesse cenário, o produtor rural se vê submetido a uma série de obrigações legais, sendo a manutenção e a regularização da Reserva Legal (RL) e das Áreas de Preservação Permanente (APPs), requisitos imprescindíveis. De acordo com o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), os percentuais de RL variam conforme o bioma e a localização do imóvel, podendo corresponder a 20%, 35% ou até 80% da área total. Já as APPs, como margens de cursos d’água e nascentes, são protegidas com o objetivo de assegurar a conservação de recursos hídricos e da biodiversidade.
Em teoria, uma vez que o imóvel esteja devidamente inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com a RL e a APP preservadas, a área restante poderia ser utilizada para atividades produtivas, desde que observadas as licenças ambientais quando necessárias. Contudo, a prática mostra que o ambiente regulatório ainda é nebuloso e propício a abusos por parte de agentes econômicos e até do poder público.
Uso indevido de alertas ambientais
Recentemente, a aprovação, pelo Senado, do PL 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental e aguarda tramitação final na Câmara dos Deputados, reacendeu o debate sobre a falta de uniformidade nas exigências legais entre os estados. Essa ausência de padronização normativa tem servido de justificativa para a aplicação arbitrária de cláusulas contratuais restritivas por parte de instituições financeiras e empresas compradoras de produtos agropecuários, como tradings e agroindústrias.
Muitas dessas entidades passaram a condicionar a concessão de crédito ou a comercialização da produção à inexistência de qualquer alerta de desmatamento gerado por plataformas automatizadas, como o MapBiomas Alerta ou o sistema PRODES. É necessário esclarecer que tais sistemas apenas sinalizam alterações na cobertura vegetal por meio de imagens de satélite, mas não constituem, por si só, infrações ambientais. O alerta é um indício que a área deve ser analisada tecnicamente e submetida a processo administrativo para apuração de eventual irregularidade.
Apesar disso, há casos documentados de instituições financeiras negando crédito rural com base exclusiva em tais alertas, sem oportunizar ao produtor o contraditório e a ampla defesa. Mais grave ainda são situações em que empresas se recusam a efetuar o pagamento de contratos de compra e venda de grãos com base em supostas irregularidades ambientais que sequer foram confirmadas pelo órgão competente. Em alguns casos, o alerta sequer incide sobre a área produtiva contratada, mas sobre outra propriedade vinculada ao mesmo CPF/CNPJ.
Riscos jurídicos e responsabilidade contratual
Outro ponto que merece atenção é a inserção de cláusulas genéricas nos contratos de fornecimento, prevendo que qualquer “irregularidade ambiental” poderá ensejar o cancelamento da compra. Trata-se de cláusulas que ferem os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, especialmente quando a contratante tem pleno conhecimento prévio da situação ambiental da propriedade e, ainda assim, formaliza o acordo.
Empresas compradoras que dispõem de departamentos de compliance ambiental e auditoria não podem se eximir da responsabilidade contratual sob alegação de descumprimento ambiental preexistente. Se identificada a irregularidade antes da contratação, a assinatura do contrato implica aceitação do risco, e o inadimplemento posterior configura abuso de direito.
Adicionalmente, observamos interpretações excessivamente restritivas por parte de órgãos ambientais e até do Judiciário, especialmente quanto à aplicação de embargos preventivos. O Decreto nº 6.514/2008, que regulamenta as infrações e sanções administrativas ambientais, determina expressamente que o embargo deve ser restrito à área específica da infração, e não a toda a propriedade ou a outras áreas vinculadas ao mesmo titular. Ainda assim, têm sido adotadas decisões que impõem restrições amplas e imediatas, sem a conclusão do devido processo legal, o que contraria os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica.
Recomendações jurídicas
Para mitigar riscos e se proteger de abusos, o produtor pode e deve ter alguns cuidados, entre eles, destaco:
- Analisar criteriosamente todos os contratos firmados, especialmente cláusulas ambientais, preferencialmente com assessoria jurídica especializada;
- Formalizar defesas e impugnações administrativas diante de notificações baseadas em alertas ambientais equivocados ou genéricos;
- Comprovar a rastreabilidade da produção, demonstrando que o produto não foi cultivado em área questionada;
- Regularizar e manter atualizada a documentação ambiental da propriedade, com destaque para CAR, licenças, registros e mapas georreferenciados;
- Buscar assessoria jurídica proativa, que atue não apenas na resolução de conflitos, mas também no planejamento e na blindagem contratual da atividade rural.
Finalizo aqui destacando que a regularização e o planejamento jurídico-ambiental não são apenas medidas preventivas, são estratégias de defesa da produção, da renda e da segurança patrimonial do produtor. Nós do escritório Álvaro Santos Advocacia realizamos uma análise completa da situação do imóvel rural, identificando eventuais irregularidades, e realizamos o planejamento jurídico para que tudo esteja conforme as leis ambientais. Desta forma o produtor estará mais seguro quanto a possíveis abusos.

* Advogada cível e ambiental, formada em engenharia florestal. Sócia na Álvaro Santos Advocacia e Consultoria no Agro, atuando em regularização fundiária, contratos agrários e responsabilidade ambiental.