Por Lúcia Rodrigues, Doutora em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista (Unesp)
A pecuária brasileira vem passando por uma verdadeira revolução. Saltos impressionantes em produtividade, eficiência, sustentabilidade e relevância internacional colocam o país entre os protagonistas globais da atividade. Hoje, o Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor de carne bovina do mundo e, por trás desses números expressivos, está um fator determinante: o melhoramento genético.
Atuei por mais de 30 anos em um Centro de Coleta e Produção de Sêmen (CCPS), acompanhando de perto o avanço da genética bovina no Brasil. Vi a tecnologia evoluir, os processos se modernizarem e, acima de tudo, testemunhei o impacto real que a seleção genética tem no campo.
No primeiro semestre de 2025, segundo dados da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), foram produzidas mais de 13 milhões de doses de sêmen no país. Esse volume reflete a importância estratégica das centrais de genética como elo fundamental da cadeia produtiva, responsáveis por coletar, avaliar, produzir e distribuir o material genético que impulsiona a pecuária nacional.
O trabalho dentro de um CCPS envolve etapas rigorosas. Tudo começa com a chegada dos touros geneticamente superiores, selecionados pelas centrais ou enviados por pecuaristas parceiros. Esses animais precisam passar por período de adaptação ao novo ambiente e de condicionamento ao manejo reprodutivo. Com os avanços na seleção por precocidade sexual, esses touros têm chegado cada vez mais jovens – em média, com dois anos de idade –, o que torna esse processo ainda mais delicado e técnico.
Com os animais adaptados ao novo manejo reprodutivo, inicia-se a fase de produção das doses de sêmen a serem utilizadas na Inseminação Artificial. Nesse ponto, três avaliações são fundamentais para garantir a qualidade do material genético: a Genética, para assegurar que características indesejadas não sejam transmitidas à progênie; Sanitária, fiscalizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), a fim de prevenir a disseminação de doenças como brucelose e tuberculose; e a Reprodutiva, que avalia a viabilidade das células espermáticas nos ejaculados disponibilizados à industrialização. Com a tecnologia laboratorial cada vez mais avançada, as centrais operam com altíssimo padrão de qualidade, garantindo que as doses de sêmen distribuídas no campo tenham o máximo de eficiência reprodutiva.
Apesar de todo o rigor técnico envolvido na produção, é comum ouvir relatos de insucessos na utilização da Inseminação Artificial. Durante minha carreira, me deparei com diversas situações em que as expectativas dos pecuaristas não foram atendidas e, muitas vezes, o problema não estava na dose, mas no manejo e conservação destas doses de sêmen após a saída das mesmas da central. Armazenamento inadequado, falhas no transporte, manipulação incorreta das doses de sêmen, erros na técnica de inseminação, ambiente de manejo estressante, nutrição deficiente ou até mesmo falhas sanitárias. Todos esses fatores podem comprometer a fertilidade e o sucesso da inseminação.
Em várias análises que realizamos em doses “problemáticas”, constatamos que a qualidade do material genético estava intacta. O gargalo estava no campo. E é justamente aí que entra uma das lições mais importantes que aprendi: o sucesso da genética começa muito antes da inseminação e vai muito além dela.
Costumo dizer que, antes de pensar em genética de ponta, é preciso garantir que o básico esteja sendo bem feito. Os melhores resultados só vêm quando o “arroz com feijão”, ou seja, manejo de qualidade, nutrição balanceada, instalações adequadas, cochos limpos e bem-estar animal estão bem estabelecidos. E, claro, é indispensável que a inseminação seja feita por profissionais capacitados, com conhecimento técnico e responsabilidade.
A genética é uma ferramenta poderosa, mas ela não faz milagre. Para que seu potencial se converta em produtividade e rentabilidade, ela precisa de solo fértil. E esse solo é o dia a dia da fazenda.
Outro aprendizado valioso é que o conhecimento precisa circular. Informar, orientar e capacitar os profissionais da pecuária é tão importante quanto produzir boas doses de sêmen. Por isso, iniciativas como as da Asbia são tão relevantes. A entidade atua para democratizar o acesso ao melhoramento genético e promover boas práticas reprodutivas em todo o país.
Atualmente, na média, uma em cada cinco vacas no Brasil é inseminada. Nosso desafio é ampliar esse número, levando mais tecnologia e conhecimento para o campo. Com touros de qualidade, centrais bem estruturadas e pecuaristas comprometidos com o manejo responsável, a pecuária brasileira tem tudo para continuar avançando com mais produtividade, sustentabilidade e reconhecimento global.