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20 de novembro de 2025 - 10:25h

A Folha Agrícola

A sucessão rural começa com um cafezinho em família

“Em torno da mesa larga, largavam as tristes dietas, esqueciam seus fricotes, e tudo era farra honesta acabando em confidência.”
Carlos Drummond de Andrade, A Mesa¹

É em torno da mesa, entre um café, risadas e confidências, que se resolvem as questões mais delicadas da vida familiar. Antes das escrituras, das holdings e dos testamentos, existe a conversa. É nela que se expressam as vontades, se conciliam as diferenças e se definem, sem formalidades, os contornos de um legado.

No meio rural, essa dimensão afetiva é ainda mais marcante: a fazenda, o sítio, a gleba herdada do avô, tudo carrega não apenas valor econômico, mas também memória, identidade e pertencimento. Planejar a sucessão de um imóvel rural, portanto, é muito mais do que dividir bens… é perpetuar uma história.

O Direito Sucessório brasileiro, especialmente após o fortalecimento dos princípios da autonomia privada e da boa-fé objetiva, reconhece o poder das famílias de moldar sua própria sucessão patrimonial. A conversa antecipada sobre esses temas, muitas vezes tida como desconfortável, é instrumento necessário na prevenção de litígios.

Ao manifestar suas intenções de forma clara e dialogada, o patriarca ou a matriarca, não apenas evitam disputas futuras, mas também fortalecem os laços familiares e a confiança recíproca, fundamentos que nenhuma cláusula contratual substitui.

Como ensina Maria Helena Diniz, “a sucessão, além de um fenômeno jurídico, é um ato de continuidade moral e familiar” ². Ou seja, o que se transmite não são apenas bens, mas valores, responsabilidades e afetos. Nesse sentido, cada vez mais cabe ao advogado exercer o papel de mediador e muitas vezes de tradutor de vontades, e não apenas de técnico redator de cláusulas.

É imprescindível que o advogado estimule a família a falar sobre o futuro de seu patrimônio em vida, com leveza e transparência, transformando o tabu da morte em exercício de cuidado e planejamento. A morte é a única certeza que temos nessa vida. Jesus Cristo, há dois mil anos, já nos ensinava: “Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” (Mt 6, 27).

Planejar como sua família ficará caso você venha a faltar é um grande sinal de amor. Tal gesto, além de evitar que seus entes queridos comecem a litigar por assuntos que a conversa no cafezinho poderia evitar, permitirá que seu legado atravesse gerações. As conversas que um dia pareciam banais, à mesa, no alpendre, na varanda da fazenda… tornam-se as lembranças que sustentam o legado.

Ao bom advogado, portanto, cabe ajudar as famílias a transformarem conversas, muitas vezes, difíceis, em continuidade, e memórias, em segurança jurídica.
Porque, no fim, o verdadeiro patrimônio são as lembranças de nossos entes amados e saber que o entendimento construído em vida, mesmo depois da partilha, manterá unido quem ficou certamente é o propósito de cada líder de família.

¹ ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro Enigma. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951.

² DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6 – Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2023.

Autor:

Marcos Vinícius Souza de Oliveira (@marcosdeoliveira.adv)

É advogado na Álvaro Santos Advocacia. Especialista em Direito Contratual e Sucessório. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG).