Dividir uma fazenda, gado, safras e empresas rurais após o fim de um casamento exige muito mais que uma assinatura no cartório. No universo do agronegócio, o divórcio carrega peculiaridades jurídicas e técnicas que, se não forem bem conduzidas, podem comprometer a produção e o valor dos ativos. Especialistas apontam que o segredo está em unir conhecimento jurídico, gestão empresarial e planejamento registral.
O Brasil registrou 440,8 mil divórcios em 2023, segundo dados do IBGE — alta de 4,9% em relação ao ano anterior. Embora não haja um levantamento oficial sobre quantos deles envolvem propriedades rurais, advogados afirmam que a complexidade das partilhas no campo cresce na mesma proporção da profissionalização do agronegócio.
Desde a Emenda Constitucional 66/2010, basta a vontade de um dos cônjuges para que o divórcio seja decretado. Quando não há filhos menores e o casal está de acordo, é possível realizar o processo em cartório, com base na Lei 11.441/2007 e na Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça. Mas, no campo, o caminho raramente é simples.
“No agronegócio, o divórcio precisa preservar a continuidade produtiva. É possível se divorciar rápido e bem, desde que a partilha seja planejada com lastro técnico — agronômico, contábil e registral — e não apenas jurídico”, explica Felipe Wolut, advogado especialista em Direito de Família e sócio do NMW Advocacia.
Da terra ao rebanho: o que vai para a partilha
No regime mais comum — a comunhão parcial de bens — todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento são partilháveis, conforme os artigos 1.658 a 1.660 do Código Civil. Isso inclui desde a terra até o maquinário agrícola, passando por rebanho, contratos e estoques de safras.
A divisão de imóveis rurais exige matrículas atualizadas, muitas vezes com georreferenciamento certificado pelo Incra, e apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). O rebanho deve ser inventariado por categoria e idade, com laudos técnicos de avaliação. Safras colhidas e ainda não colhidas também entram no cálculo, assim como quotas de empresas rurais e contratos de arrendamento ou parceria.
“Mesmo na separação de bens, os tribunais têm reconhecido a divisão do que foi construído com esforço conjunto. Em fazendas familiares, a valorização da terra e o aumento do rebanho costumam refletir o trabalho de ambos”, observa Wolut.
Filhos, guarda e pensão no meio rural
A guarda compartilhada é a regra desde a Lei 13.058/2014, garantindo que pai e mãe participem ativamente da vida dos filhos. No campo, esse ajuste pode exigir criatividade para conciliar períodos de colheita, plantio e calendário escolar. A pensão alimentícia, por sua vez, costuma levar em conta a renda sazonal e benefícios como moradia e alimentação fornecidos pela propriedade.
“Guarda é projeto parental, não logística. No meio rural, é preciso adaptar o calendário de convivência à rotina da fazenda e da escola, sempre priorizando o melhor interesse da criança”, pontua o advogado.
Evitando prejuízos na produção
Especialistas alertam que litígios prolongados podem paralisar operações e desvalorizar ativos. A recomendação é que o casal, sempre que possível, opte por acordos que incluam cláusulas de não competição em áreas vizinhas, divisão escalonada de bens e corte temporal claro para frutos, contratos e dívidas.
“Fazenda é empresa. Divórcios que tratam a operação como tal — com balanço, fluxo de caixa e valuation — custam menos, fecham mais rápido e sofrem menos revisões”, afirma Wolut. “No agro, o tempo é ativo. Cada safra sem acordo é valor que se perde.”
Base legal
Além da EC 66/2010, da Lei 11.441/2007 e da Resolução 35 do CNJ, entram em cena o Código Civil (arts. 1.647, 1.658 a 1.660, 1.659 e 1.031), o Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/1966 para contratos agrários, e a Lei 10.267/2001, que exige georreferenciamento para desmembramento ou partilha de imóveis rurais.
O divórcio no agronegócio não é apenas uma questão de fim de vínculo conjugal, mas também um exercício de gestão patrimonial e estratégica. Com planejamento, é possível encerrar a relação preservando a produtividade e o valor dos ativos — e evitando que o conflito se transforme em prejuízo no campo.
Serviço
Divórcio no agronegócio: como partilhar terras, gados e empresas rurais sem perder valor
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