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5 de novembro de 2025 - 3:54h

A Folha Agrícola

Herança no agro: testamento pode garantir sucessão justa ou tornar fazenda fonte de litígios

No Brasil rural, onde imóveis são produtivos, bens têm valor avaliado em cultura [lavouras], gado ou terras, deixar claro quem herda o quê não é luxo — é necessidade. Mas um testamento mal redigido, desrespeitando regras legais ou ignorando peculiaridades do agronegócio, pode gerar disputas, perdas fiscais enormes e até inviabilizar negócios familiares.

No meio rural brasileiro, com suas plantações, rebanhos e tratores, a sucessão de bens não é uma questão apenas sentimental, mas de continuidade econômica. Muitos produtores agrícolas já aprenderam, às vezes da pior forma, que não basta “deixar tudo para os filhos” — é preciso decidir formalmente quem herda o quê, em que proporção, sob que condições. E o testamento desponta como instrumento central para evitar que a propriedade rural se transforme num campo minado jurídico.

Segundo o Código Civil de 2002, herdeiros necessários — descendentes, ascendentes e cônjuge — têm direito assegurado à legítima, que representa metade dos bens do falecido. Isso significa que, mesmo que o proprietário deseje beneficiar terceiros — amigos, instituições ou funcionários queridos — ele só poderá dispor livremente de até metade do patrimônio. A outra metade não pode ser tocada por testamentos ou doações se invadir esse direito legal.
No contexto do agro, essa regra adquire importância especial. Imagine que um produtor rural queira legar sua fazenda principal ao filho que continuará a trabalhar no campo, deixando aos demais filhos outras propriedades ou parte dos rendimentos. Se ele redigir um testamento que favoreça apenas aquele que fica com a fazenda, sem compensar adequadamente os demais, há risco de ação de redução — instrumento legal pelo qual os herdeiros não agraciados exigem judicialmente sua parte da legítima. Essas disputas são frequentes em zonas rurais, onde valores da terra são elevados, bens são ilíquidos e cada hectare representa herança afetiva e econômica.
“O produtor rural precisa ver o testamento como parte de seu plano de governança familiar, especialmente no agro, porque há fatores peculiares — sanidade fiscal da terra, tributação do ITCMD, produtividade, e impactos sobre os contratos de arrendamento ou financiamento rural”, afirma o advogado Bruno Naide. “Quem não organiza o testamento de modo claro abre mão de segurança para a família; abre espaço para brigas e para que a terra, que poderia gerar renda ou legado, se torne causa de destruição de patrimônio.”
Além da legítima, há outros limites legais: o testamento deve respeitar a forma prescrita em lei — pode ser público, cerrado (fechado) ou particular —, ou seja, precisa estar nos moldes do Código Civil, com testemunhas, registro, autenticidade. No agro, essa formalidade pode envolver registro adicional no cartório de imóveis, verificação da titularidade da terra, certidões ambientais ou fiscais, para garantir que tudo esteja em ordem. Sem isso, o testamento pode ser contestado por vícios formais, nulidade ou mesmo omissões que geram insegurança jurídica.
Quanto à liberdade de escolha sobre quem herdar, a lei permite que o testador destine a parte disponível de seu patrimônio a qualquer pessoa ou entidade — amigo, instituição beneficente, funcionário, sobrinho, ou mesmo uma fundação familiar. Nada na lei proíbe que alguém de fora da família receba parte da herança, desde que respeitados os limites da legítima. Essa parte disponível é uma parcela crucial para muitos produtores que desejam premiar quem realmente cuidou da fazenda ou quem ajudou a manter o negócio vivo, mesmo que não tenha vínculo direto de sangue.

Outra questão relevante no agro é a tributação estadual do ITCMD, que incide sobre herança e doação. Estados têm alíquotas distintas, prazos e exigências diversas de documentação. Para propriedades rurais, onde o valor ou rendimento pode ser alto, calcular antecipadamente o imposto, e garantir que todos os encargos (tributários, ambientais, registros de imóveis, eventuais dívidas agrícolas) sejam considerados no testamento, é fundamental para que a decisão não se torne onerosa.

Em resumo, se o produtor rural organizar bem seu testamento — definindo herdeiros, partilha clara entre legítima e parte disponível, respeitando a forma legal, avaliando tributos e peculiaridades do agro — o instrumento poderá assegurar paz familiar, continuidade do negócio e preservação do legado. Se não, a fazenda pode transformar-se em “herança maldita”: palco de disputas, custos imprevistos e dissolução de relações.

Serviço
Herança no agro: testamento pode garantir sucessão justa ou tornar fazenda fonte de litígios

Bruno Naide – advogado especialista em direito familiar

Instagram: @nmwadv

Contato: (62) 98479-6876