Dois anos depois do reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação, indústrias seguem investindo cifras bilionárias, enquanto poder público promove missões internacionais
A algumas semanas de completar dois anos do reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), o Paraná vive a expectativa de abertura de novos mercados para as proteínas animais. Com a certificação internacional celebrada em 27 de maio de 2021, desde então, dezenas de projetos de investimentos envolvendo cifras bilionárias foram tirados do papel por frigoríficos, indústrias e empresas de genética, projetando a liberação de novas plantas para a venda de produtos de origem animal paranaenses para mercados premium, como Japão, Alemanha e Coreia do Sul. De forma paralela, o poder público tem promovido missões a esses e outros países.
Até o momento, efetivamente novas plantas não estão credenciadas. Porém o processo pode levar anos. Basta olhar para a vizinha Santa Catarina, que obteve o mesmo status em 2007 e apenas conseguiu a abertura de mercados nobres para a carne suína seis anos depois. Mas o esforço valeu a pena, comprovado com números. Em 2006, os catarinenses movimentaram US$ 306 milhões em carne suína. A cifra saltou para US$ 1,43 bilhão em 2022 – praticamente cinco vezes o valor antes do certificado da OIE.
Inspirados nos catarinenses e com a ajuda da imagem positiva no exterior, já que o Paraná tem relações comerciais com mercados nobres (vende frango para o Japão, por exemplo), a projeção das lideranças rurais paranaenses para que o Estado conquiste novos clientes internacionais segue em alta.
“O setor produtivo está fazendo sua parte, investindo em alta tecnologia e aumentando a produção de proteína animal para colocar ainda mais comida na mesa de pessoas em todo o planeta”, contextualiza Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, entidade que teve um papel fundamental no processo de reconhecimento do Paraná. “De forma paralela, o poder público precisa gastar sola de sapato e folha de passaporte para colocar o Paraná pelo mundo. Ser uma referência internacional, uma vitrine global deu trabalho e precisamos aparecer para os clientes que querem pagar pelo nosso principal produto: segurança alimentar”, complementa Meneguette.
Incontestavelmente, a retirada da vacinação é um marco para a história da sanidade animal no Paraná, mas que exige outras ações para gerar resultados financeiros, define Rafael Gonçalves Dias, gerente de saúde animal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). “O reconhecimento por si só não garante nada. Agora, colocar o Estado nessa condição é o mínimo que precisa ser feito para começar”, lista. “Nós reforçamos a vigilância nas propriedades, temos mais fiscalização do que antes e um acompanhamento constante para garantir que não haja circulação viral. Além disso, a vacina foi substituída por medidas como vigilância, controle de trânsito e o cadastro anual de rebanho”, enumera Dias, lembrando que o título de área livre de aftosa sem vacinação traz responsabilidades sanitárias.
Persistência e paciência
Os vizinhos catarinenses não escondem o segredo de como abrir novos mercados: paciência e persistência. “Em 2007 recebemos o certificado de área livre pela OIE e apenas em 2013 conseguimos o primeiro acordo sanitário, com o Japão, para exportar carne suína ao país asiático”, recorda Airton Spies, ex-secretário de agricultura de Santa Catarina e atual coordenador da Aliança Láctea Sul Brasileira.
Nos anos seguintes, no entanto, os mercados se abriram. Em 2014, os catarinenses começaram a exportar para os Estados Unidos e, em 2015, para Coreia do Sul. Segundo Spies, o caminho para conseguir novos clientes passou pelo trabalho em parceria com o governo de Santa Catarina e com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), promovendo missões internacionais e recebendo compradores e governos de outros países.
“Nosso foco era exportar. Então passamos a ir lá fora para apresentar a nossa condição sanitária. Fizemos missão ao Japão, à Coreia e vários outros países. Eu mesmo fiz uma argumentação ao senado americano, para conseguirmos abrir o mercado dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, também trouxemos eles diversas vezes para conhecerem o sistema produtivo e a estrutura sanitária”, relembra o ex-secretário catarinense.
Como exemplo, o Japão compra quatro cortes de carne suína de Santa Catarina: filé mignon, barriga, sobrepaleta e lombo. “Tiramos mais dinheiro com esses quatro cortes do que com o volume total de carcaças inteiras enviadas para a China. Mas o Japão só compra por causa do certificado”, reforça.
Diante do atual quadro do Paraná, Spies vê boas perspectivas de negócios, principalmente pelo fato de o Estado ter excedente de milho e soja para a produção local de ração, o que barateia o custo e facilita a logística.
Além disso, apesar da pequena produção de carne bovina comparado com gigantes da pecuária nacional, há potencial de o Paraná passar a exportar carne bovina premium, produzida em sistemas de confinamentos. “Tem que ir no rastro do frango, com acesso a mercados premium. As agroindústrias precisam colocar esse diferencial, incluir mais produtos para vender no pacote”, recomenda.
Projeção privada
Quando o Paraná recebeu o reconhecimento da OIE, em maio de 2021, Elias Zydek, diretor-executivo da Frimesa, apostava que, embalado pela abertura de novos mercados, o Paraná iria atingir 200 mil toneladas de suínos exportadas ainda em 2022. O fato de a cooperativa ter investido R$ 1,4 bilhão em uma planta industrial e R$ 2,5 bilhões no sistema produtivo para colocar em operação o maior frigorífico de suínos da América Latina, em Assis Chateaubriand, na região Oeste do Paraná, acabou por elevar as expectativas. “Começamos a operação da etapa inicial do frigorífico e vamos ter que direcionar a produção para o mercado interno. Nós não avançamos. Nas exportações praticamente não houve evolução”, sentencia Zydek.
Em 2022, o Paraná exportou 158 mil toneladas de carne suína, contra 157 mil toneladas no ano anterior, crescimento de menos de 1%. Segundo Zydek, a estabilidade mesmo com o reconhecimento internacional ocorre por conta do descompasso entre as ações dos setores público e privado. “O setor privado investiu, ampliou, se preparou, fez tudo pensando em exportar mais. Por outro lado, no setor público temos uma lentidão nos acordos entre países, tanto bilaterais quanto em blocos”, avalia.
O diretor da Frimesa também menciona o fato de que missões técnicas que vêm visitar o Brasil continuam priorizando Santa Catarina, somado à morosidade do poder público em responder os questionários e relatórios enviados por outros países também colaboram para deixar o Paraná ficar para trás. “Tudo é muito demorado para o Brasil atender a essas demandas burocráticas. Há uma falta de eficiência em termos de gestões institucional e pública”, lamenta.
A Alegra Foods, com sede em Castro, nos Campos Gerais, também convive com a expectativa de ampliar as exportações de carne suína diante das visitas das autoridades brasileiras e participação em feiras e missões aos principais países importadores. “Estreitamos o relacionamento com os principais clientes dos mercados potenciais, no aguardo das liberações das autoridades sanitárias dos países em questão”, detalha o gerente executivo da empresa, Luiz Otavio Morelli. “Porém, o reconhecimento ainda não aconteceu. Enquanto isso, enfrentamos desafios, como os custos de produção do suíno, principalmente com alimentação, que continuam elevados e os preços finais não subiram na mesma proporção. Soma-se a isso a oferta maior e a pressão das outras proteínas”, diagnostica.
No total, conforme anunciado por lideranças rurais paranaenses na comemoração de um ano do novo status, no Palácio Iguaçu, em Curitiba, no dia 31 de maio de 2022, as cooperativas investiram, somente no ano passado, R$ 4,2 bilhões em frigoríficos, infraestrutura de armazenagem e indústrias de ração. Em Laranjeiras do Sul, a construção de uma maternidade de leitões consumiria R$ 380 milhões. Em Paranavaí, um empreendimento projetava a produção de 110 mil suínos por ano. E de lá para cá, além destes, inúmeros outros investimentos se tornaram realidade, confiando no padrão internacional da sanidade paranaense.
Países têm protocolos próprios, diz secretário
O motivo de o Paraná não ter conquistado nenhum novo mercado desde o reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação está no fato de os países terem protocolos e procedimentos próprios, o que exige tempo, segundo o secretário de Agricultura e Abastecimento do Paraná, Norberto Ortigara.
“Eventuais demoras não são entraves, mas um tempo diferente daquele que os brasileiros e, particularmente, os paranaenses gostariam, pois os países têm protocolos e procedimentos próprios”, defende. “As reuniões no Japão e Coreia do Sul, que pagam melhor por produtos sanitariamente adequados, foram eminentemente técnicas no sentido de demonstrar que temos produção segura, sustentável, de qualidade, com escala e preço competitivo. Agora precisamos aguardar as respostas”, prevê.
Em março deste ano, uma missão liderada pelo governador Carlos Massa Júnior esteve nos dois países, em encontros nos ministérios da Agricultura; com a diretoria da Kotra, agência de promoção de negócios e atração de investimentos da Coreia do Sul; com a agência sanitária Animal and Plant Quarantine Agency (APQA), que analisa produtos de origem animal e vegetal na Coreia do Sul, além de promover rodadas de negócios com diversas empresas e startups locais. Na ocasião, o vice-ministro da Agricultura, Silvicultura e Pesca do Japão, Atsushi Nonaka, foi convidado a conhecer os frigoríficos do Paraná.
“Inspetores das agências devem vir ao Paraná nos próximos meses para visitar frigoríficos e abatedouros de suínos como parte do processo de chancela do Estado para exportação”, enfatiza o secretário. Outras missões paranaenses também já estão sendo organizadas para Itália, Portugal e Bangladesh.
De forma paralela, segundo Ortigara, o Mapa atua para buscar novos ou ampliar negócios internacionais com México, Canadá, Coreia do Sul e China. A reportagem do Boletim Informativo entrou em contato com o Mapa e com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) para saber as ações em andamento para o credenciamento de plantas paranaenses para exportação de produtos de origem animal a novos países, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno sobre os pedidos.
Reconhecimento é trabalho de décadas
O sistema sanitário do Paraná conseguiu chegar ao mais alto patamar de reconhecimento internacional somente após o esforço conjunto de décadas do poder público e iniciativa privada. De forma pioneira, o Sistema FAEP/SENAR-PR encampou essa iniciativa, ao investir em diferentes frentes, inclusive pautando o tema como prioritário aos diferentes governos que passaram pelo Palácio Iguaçu. Ao mesmo tempo, a entidade promoveu mobilizações, coordenou missões de lideranças políticas e administrativas e realizou viagens técnicas, fomentando a cultura da importância da sanidade animal para o agronegócio.
Entre os destaques desse trabalho estão a contribuição para a criação do Fundo de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Paraná (Fundepec), que mantém recursos para o estabelecimento de políticas e/ou para indenizar produtores caso sejam necessários abates sanitários emergenciais. Aliado a isso, o Sistema FAEP/SENAR-PR contribuiu diretamente no processo de construção da Lei 11.504/96 – a chamada Lei da Sanidade –, que permitiu um aperfeiçoamento e modernização das normas e regras, facilitando ao produtor cumprir as reponsabilidades na manutenção sanitária.
Com sua vocação de oferecer treinamentos com o que há de mais moderno, o SENAR-PR também incluiu temas vinculados à sanidade nas suas formações técnica de profissionais. A defesa sanitária paranaense foi se tornando uma referência até que, na última década, esse processo ganhou fôlego, mirando a conquista do reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação. A estruturação sanitária incluiu a reativação dos Conselhos de Sanidade Agropecuária (CSAs) e instalação de Postos de Fiscalização de Transporte Animal (PFTA) nas divisas do Paraná com outros Estados.
Sem novos mercados, resta o consumo interno
Apesar de os investimentos recentes mirarem em novos mercados, por ora resta às indústrias paranaenses direcionarem a carne suína para o consumo interno. Em 2022, o Paraná abateu 11,6 milhões de cabeças, sendo que 305 mil foram destinadas a outros Estados. Chama atenção o fato de Santa Catarina ser o Estado que mais comprou suínos paranaenses: 48,8% do total.
Essa carne, segundo representantes da agroindústria, é comprada para o processamento industrial (embutidos e derivados suínos) e, posteriormente, destinada ao mercado interno. Desta forma, por ter as portas abertas em outras partes do mundo, Santa Catarina pode enviar a sua própria carne suína para o exterior, recebendo mais, e comprar o suíno paranaense mais barato para o processamento industrial.
“As exportações, de modo geral, beneficiam como um todo, promovem o ingresso de divisas, a geração e manutenção de emprego e renda, o aumento na qualificação dos recursos humanos, a evolução e o crescimento. Por isso, os produtores paranaenses têm questionado os processos de abertura e a possibilidade de acessarmos novos mercados o quanto antes”, analisa Nicolle Wilsek, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.